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NBAA-BACE 2024
Las Vegas voltou a sediar a NBAA-BACE e apresenta um olhar para o futuro da aviação de negócios
A edição 2024 do NBAA-BACE em Las Vegas marcou uma nova fase para o principal evento da aviação de negócios, com destaque para tendências como aviões autônomos, uso de inteligência artificial e a presença crescente dos eVTOL.
Além de discussões sobre o futuro dos combustíveis sustentáveis, o evento trouxe algumas inovações para aviões da Cirrus, Cessna e Piper, que buscam atender às novas demandas de sustentabilidade e eficiência.
A edição 2024 do NBAA-BACE marcou também a permanência do evento em Las Vegas, contrariando a tradição recente de revezar nos anos pares com a cidade de Orlando, na Flórida. Por ora, a previsão é que o evento permaneça na Sin City por ao menos mais três ou quatro edições. Além disso, este ano confirmou uma outra importante mudança: a confirmação de que a Gulfstream se manterá ausente da maioria dos eventos aeronáuticos do mundo, focando seus esforços em apresentar seus aviões e produtos diretamente ao seu público-alvo, o que, ao menos este ano, foi também a estratégia da Dassault Falcon.
Falando em mudanças, a evolução da aviação de negócios segue uma constante. Se não houve o anúncio de nenhum grande lançamento, com exceção da atualização dos modelos de entrada da família Citation, os principais temas de 2024 foram a ampliação e os desafios do uso em larga escala de combustíveis renováveis, sobretudo o SAF; o uso de inteligência artificial em diversos segmentos, indo do avião em si até processos de gestão; e, por fim, a real presença de eVTOL, que segue como uma promessa para o ano que vem.
De acordo com executivos da NBAA, a tendência é que até o final da década as três tecnologias se tornem realidade no mundo, que, de uma forma ou de outra, estão interligadas.
No tempo presente, chamou a atenção que os maiores desafios da indústria nos últimos meses seguem os mesmos há dois anos. A quebra das cadeias de suprimento após 2020 ainda afeta a maior parte dos fabricantes e os atrasos se traduzem em maiores prazos para entregas de aeronaves e desafios internos.
A Textron Aviation, na véspera da NBAA, passou a enfrentar uma greve de funcionários, o que levou ao anúncio de que sua presença estava cancelada em Las Vegas. Todavia, dias depois a empresa voltou atrás e afirmou que estaria na NBAA, mas apenas na exposição estática, onde montou um grande estande, e com um número ligeiramente inferior de aeronaves. Uma das justificativas foi o contato de inúmeros clientes e potenciais interessados nos jatos da família Citation. Sem contar o fato de que já estava preparado o lançamento da terceira geração dos Citation M2 e Citation CJ4.
Além disso, a regulamentação, sobretudo para novas aeronaves ou modernizadas, tem passado por uma grande transformação desde os dois acidentes fatais com o 737 MAX e os casos constantes de problemas na Boeing.
A Dassault Falcon confirmou sua saída, ao menos da edição 2024, e optou por testar a reação do mercado. Em conversas informais com a AERO Magazine, executivos afirmaram que a NBAA, assim como outros eventos no mundo, se tornou um palco de apresentação de produtos para o trade, com uma baixa presença de potenciais compradores. Segundo um executivo, há vários anos os rostos que se fazem presentes são os mesmos, tanto em Orlando quanto em Las Vegas.
A Gulfstream, também em conversas informais, confirmou que são raros os eventos que justificam sua presença; entre eles está o Catarina Aviation Show, no interior de São Paulo, onde apenas convidados VVIP (sim, com dois Vs) se fazem presentes. Curiosamente, a estratégia para o Brasil da Dassault é inversa, apostando na Labace, que tem um conceito similar ao NBAA-BACE.
A Honeywell tradicionalmente oferece uma recepção no domingo, onde apresenta suas principais tecnologias e discute temas relevantes ao setor. Em 2022, por exemplo, o assunto central foi a descarbonização do setor aéreo; já este ano, como não poderia deixar de ser, o debate foi ao redor das capacidades de voo single pilot e autônomos para os próximos anos.
Desde o surgimento do ChatGPT, que foi quando o assunto de inteligência artificial chegou ao grande público, a aviação passou a tratar abertamente do tema. Por vários anos, o conceito estava restrito aos círculos de engenharia ou de agências como a Darpa, patrocinada pelo Pentágono.
Agora, fabricantes como a Dassault e a Airbus já avaliam publicamente a possibilidade de tornar possível voos com apenas um piloto, ao menos uma tecnologia que possibilite o fim de tripulação composta ou de revezamento em voos de ultralonga duração. Diversos especialistas apontam que a tecnologia para permitir aviões comerciais ou jatos de negócios de cabine larga voarem com um único piloto já existe e que um voo autônomo não é algo tão difícil de ocorrer até o final da década.
No momento, falta maturidade dos sistemas, tanto de hardware quanto de software, assim como algumas questões de segurança cibernética. O entrave segue sendo a questão regulatória e jurídica, e foi justamente esse o tema do debate no encontro da Honeywell, que incluiu a participação do chefe de tecnologia e consultor para inteligência artificial da FAA, Dr. Trung Pham, assim como do CEO da Merlin Labs, Matt George.
A FAA trabalha em entender os problemas da tecnologia, assim como as necessidades da indústria. O desenvolvimento em paralelo dos eVTOL, que surgiram justamente apostando em voos autônomos, permitiu que as principais agências regulatórias do mundo, incluindo a ANAC, pudessem estudar junto com os fabricantes a tecnologia, em um esforço sem paralelo nas últimas décadas. Talvez, a última vez que houve um trabalho tão próximo foi na certificação dos primeiros jatos, onde a tecnologia era tão imatura e inovadora quanto a inteligência artificial hoje.
A Joby Aviation e a Lilium Air Mobility apresentaram seus modelos reais de eVTOL no Las Vegas Convention Center (LVCC), demonstrando o amadurecimento do conceito, que, embora longe de uma definição, segue avançando em passos largos. Chama a atenção a pluralidade de conceitos e configurações existentes entre os eVTOL, seguindo o caminho natural do avanço tecnológico, como nos primeiros anos da aviação, especialmente entre as décadas de 1920 e 1930. Contudo, a profusão de modelos e soluções logo se consolidou em um desenho básico, que segue basicamente o mesmo desde então.
A diferença é que, passados 100 anos, as certificações se tornaram mais rígidas e os processos mais complexos. A definição de uma linha básica de trabalho deverá ser um fator determinante para a viabilização dos eVTOL. Entre os motivos, está a infraestrutura básica.
Os helipontos são padronizados em área, peso, etc, baseado no simples fato de existir um modelo básico nas asas rotativas. Os helicópteros, em termos gerais, assim como os aviões, são iguais, o que permitiu criar regras básicas válidas para todos. Como hoje os eVTOL contam com diversos modelos, tipos de propulsão e desenhos, que vão de quatro rotores até conceitos com asas de geometria variável, uso de motores elétricos a jato, entre outros, ainda não foi possível dizer como regulamentar seu uso e a criação de vertiportos.
No caso do Joby, o modelo é baseado na ideia de rotores basculantes, em uma ideia geral que lembra a de um drone. Já a Lilium oferece uma proposta baseada no uso de motores a jato elétricos, construídos pela Rolls-Royce, que em nada lembram nenhum veículo aéreo existente.
Ambos os conceitos oferecem vantagens e desvantagens; resta saber qual será aceito pelo mercado nos próximos anos. A possibilidade de acompanhar o ambiente de desenvolvimento dos eVTOL é uma rara oportunidade. A última revolução do tipo ocorreu no desenvolvimento dos jatos, no início da década de 1950.
Já para o tempo presente, a NBAA-BACE 2024 seguiu apenas apresentando algumas evoluções de projetos já consolidados. Uma das maiores estrelas, literalmente, foi o ACJ TwoTwenty, derivado do A220. O modelo é o mais novo corporate jet do mercado, criado para atender as necessidades de grandes corporações e governos, sendo um substituto natural aos primeiros ACJ derivados do A319.
A Textron apresentou sua nova geração dos modelos de entrada da família Citation, que basicamente receberam algumas melhorias de sistemas e de configuração, sem, no entanto, oferecer nenhum lançamento clean sheet. Nesse sentido, os últimos aviões completamente novos foram os Citation Longitude e Latitude.
Isso foi basicamente a mesma solução da Piper, com o M700 Fury, uma evolução do M600, lançado em fevereiro. Já a Daher manteve sua aposta nos TBM 960 e nos multimissão Kodiak 100 e Kodiak 900, este último lançado em 2022 na EAA AirVenture, em Oshkosh.
A Cirrus, que constantemente oferece melhorias na família SR, tem a tradição de, em média, a cada cinco anos, criar uma “nova” geração. Embora estruturalmente seja o mesmo avião, cada geração adiciona melhorias consideráveis no projeto. A mais recente, a G7, é sem dúvida uma das principais evoluções da família SR, assim como foi quando a plataforma Cirrus Perspective, derivada do Garmin 1000, foi introduzida há mais de dez anos. Além do G7 trazer uma aviônica derivada do G2000, com controle touchscreen, o interior passou por um grande e bem-vindo reprojeto. A ergonomia sempre foi um ponto forte dos modelos SR, mas foi aprimorada na nova geração, muito inspirada nos conceitos existentes em carros de luxo.
Embora distante de uma nova geração, a Pilatus promoveu na NBAA-BACE a versão 2024/2025 do PC-24, que recebeu uma série de melhorias pontuais, em especial uma importante redução de peso e redesenho do interior, que conta inclusive com a opção de um divã. O avião inclusive já foi apresentado no Brasil, mas apenas agora, por conta do calendário do evento, esteve em Las Vegas.
A Bombardier apenas atualizou o andamento do programa Global 8000, que deverá ter o primeiro avião iniciando os voos de teste no início do próximo ano, com a certificação prevista para meados de 2026.
Por fim, a Embraer este ano voltou a promover o uso de novos combustíveis, inclusive sendo anfitriã de um painel, que contou com a participação da Bombardier, GAMA e NBAA, para discutir a redução de emissões de carbono. Sem nenhum grande lançamento desde a NBAA-BACE 2018, quando apresentou a família Praetor, a Embraer manteve seu foco em promover seus bem-sucedidos Phenom 300 e Praetor 600.
A NBAA-BACE, mesmo com mudanças consideráveis no comportamento da indústria e dos consumidores, segue sendo o mais importante evento da aviação de negócios do mundo. A proposta vai além de ser uma exibição de aeronaves, tendo como parte do espetáculo a promoção de importantes debates sobre o futuro da aviação, muitas vezes extrapolando a aviação de negócios e apontando soluções e desafios para todo o setor aéreo, inclusive incluindo o espacial em diversas ocasiões.
Em 2025, o evento permanece em Las Vegas, quando saberemos mais sobre a consolidação de tecnologias que hoje são promessas, como voos autônomos, uso massivo de inteligência artificial e os eVTOL.
Por Taylor Peeff e Edmundo Ubiratan, de Las Vegas
Publicado em 28/10/2024, às 16h50